segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

RÉVEILLON

Afinal, o fim de ano!
O fim de um ciclo
Ou o fim de uma tormenta

Quiçá, a metamorfose da lagarta
(temida e enojada)
Em livre, leve, solta, colorida borboleta.

Fim de que, afinal?

Cada noite, quando dormes
Tens um réveillon de oportunidades

Onde estavas, que não vias os fogos lunares
Ou os grunhidos dos gatos e os uivos dos cães?
(os galos, então?)

Tudo remonta ao recomeço!

(Cristine HH)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

POSSESSÃO

Grito afônico do meu ser
Estremece estruturas
Explode cristais e tímpanos

O olhar é dócil e meigo

- bonita garota...
- mocinha educada...
- amável criatura...

De dentro, o demônio mudo e mouco mal pode agradecer os elogios.

(Cristine HH)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Das maldições modernas

- Doutor, faz-se normal sentir ódio de meus semelhantes?
- Não muito, menina frágil e sensível.
- E querer arrebentar um crânio para incutir ideias nas cabeças vazias e ocas?
- Não, minha querida, não é e não pode ser um ato normal. Por quê?
- É que todo dia fazem isso comigo nas redes sociais!

(Cristine HH)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

QUENTES HORAS


Ardência incontida
Um zumbido que zomba e não passa
Que formiga
(enquanto as pernas se retraem e se entrelaçam).

Queimo esse nó de pinho
E da sua brasa faço a hora
Onde as fagulhas são os segundos
À espera do teu grande ponteiro.

Essas horas que não passam!

Eu costumava estar acesa nos teus toques
Hoje me acostumo a tocar para teu breve aquecimento...

...ponteiro da hora que voa e me queima!

(Cristine HH)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

FOGO


Ai, como o quis ontem!
Querê-lo e não podê-lo
A intensa insana queimação
E o fogo queimando a face
Quis que a casa se incendiasse.

Pior que a frustração
Só mesmo se saber culpada
Vítima de si mesma
Criminosa incendiária.

Como quis ontem!
Sei bem quanto!

- pegue fogo nesta cara de pau
E eu queimarei, cá.
Por toda eternidade.

(Cristine HH)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

TOLICES



Gostaria de não ser tola
Não fugir de teus braços
Que são leves
Tão leves que flutuam
Que flutuam e se vão – nos ventos.
Queria que agarrassem com força
Viessem em mim hidráulicos
(pressão igual força pela área)

Gostaria de não ser tola
E que a área fosse coberta
(com banco de praça e redes)
Como que a força não fosse a forca
Mas o nó que me ata ao teu corpo
Que me puxa os secos e revoltos cabelos

Gostaria de não ser tola
E ao invés de escrever tolices
Encher de tolice já dentro da tua boca

Até que novamente te enchas de mim...

(Cristine HH)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

IDEIAS ABORTADAS



O papel encestado precocemente
Tal como bola de papel
Moído e triturado

As misérias e fedores
Do lixo de dez dias
- seu companheiro agora
(enamorando-se de si)
Umas fatias de presunto e erva de chimarrão
         [onde se cultuam novas espécies, com novas cores.

Agredido, esmagado e desprezado
Foi do céu ao inferno
O poema não lido, que nem chegou a ser...

(Cristine H H)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

TEORIA PURA DO RELATIVO ESTAR EM TORNO DE ALGO QUE NEM SE SABE ONDE


Aferição de anos,
Semanas
Contamos dias,
Riscamos datas

Voltas em volta
À volta
O sol

Fosse a referência aquela estrelinha
Láááá loooooonge
Pequenina
(quiçá, nem nascerá esta noite)
Quase sem brilho?

Daqui setecentos e trinta seis anos
(ou quatrocentos e vinte e oito, não sei ao certo)
Faríamos um mês

- Um mês de que?


(Cristine H H)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

"Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás"


Sem sentir o calo inchado ardendo
Ou a ferida nos pés descalços
Quiçá a perda de um filho em um corredor de hospital

Sem ver a rapidez da febre amarela
(na febre do ouro)
Só o ouro em pó, de febril anseio

A universidade ensina
Playboys a fumar maconha.

(Cristine H H)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Quem fala o que quer ouve o que não quer





















Não escorreu pelo esgoto
Nem nadou na lama de vômito
O que fala em moral, em dor;

Hipócrita com sua carteirinha
Sua chave para o tratamento
Sua proteção para falar.

E fala à vontade, sem medo
Sem a dor de um câncer na laringe
E a tensão de uma corda estourando
[aparelho fonador pútrido pela cólera].

O teu rancor, teu ódio descabido
Virá pelo espelho da tua energia negativa
E a bateria do teu peito terá apenas um pólo
Quando romper o abscesso na tua garganta.

Nós, outros, estaremos atrás do espelho
Conversando tranquilamente
E contando causos, sobre pessoas que contavam o que queriam...

(Cristine HH)


imagem: http://3.bp.blogspot.com/_8tLEhPpZCOg/TBFw6V3e59I/AAAAAAAAAXc/o_V-5z6GUOM/s1600/garganta2.jpg

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A batalha das palavras (discussão x imposição)

Brigo, esfaqueio e alcanço
Imponho e invado – dissolvo
Emboloro, diluo o meu ranço
Enegreço, selo e envolvo.

Avanço em ti, de novo, de novo
Com o novo do mesmo, de novo e de novo...

 - até que me canso.



(Cristine HH)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Labirintite posta à mesa com brócolis e mostarda



Eu estava naquela mesa
Ele estava naquela mesa
A mesa estava em nós
Viva, pulsante, intensa...

(tudo nele é sobrenatural)

Universo das mesas girantes
Ou vertigem da nossa lembrança?

(Cristine H H)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Pesadelo



Nem fui eu que te acordei
Naquela manhã vermelha
Foi o ego do teu medo
Em chama, aceso, queimando.

Sonhos de uma noite de verão.

(Cristine HH)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Quando a caneta migrou para o norte




Sopros, sopros, sopros
Minha mente é vela de um barco
À deriva
Empurrado pelos sussurros d´além
Que me levam bem mais além.


(Cristine H H)

Poema do Aparelho Digestivo




Foi um nó num pedaço de corda
De esôfago, de boca de estômago
Nas tripas, a ácida palavra dita
Entalou fundo, cravou-me o âmago.

Acidez cortante de mórbida poesia
Contraindicação para minha azia.

(Cristine H H)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

UM SOPRO GELADO NO SEU OUVIDO


...








De um vazio insuportável o dia como esse
O dia de nuvens carregadas
De garoa voando solta sem rumo


O vento é frio
O agasalho pouco


Outros, no recanto de luz
Jogam paciência com as palavras
E não dão conta das intempéries...


Seus poemas são quentes
Sua rima é farta


O vento passa...


...uns sentem sua presença
E escrevem.
... uns guardam em garrafas
Mas depois também escrevem.








(Cristine H H)

terça-feira, 26 de julho de 2011

O FUTURO

O futuro
(esse presente incerto)
Breve ou longínquo
Pode ser marcado pelo antagonismo
Conceitos avessos de resultados ambíguos
E tu estarás bem ou não
(um tumor: maligno? benigno?)

Cada ato uma consequência
Cada decisão uma ação contrária e simultânea

“O futuro a Deus pertence”
Melhor crer nisso do que decidir se pó ou verme.

(Cristine H H)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Da singela definição de saudade



Vivo a nódoa do passado
Engasgada na garganta
Engolida com o catarro
Verde, duro e mastigado.

Arde ainda martírio e dor
Dessa angústia de rolha
A ferroada de mil abelhas
Anafilático choque de amor.

Mais de década de aflição
(ar que não infla o pulmão)
Mais de década de agonia

(vômito entalado na poesia)
Com uma pedra no coração
Dias digerindo a melancolia.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Um recado dado na porta do banheiro



Um desejo, algumas mensagens
A incompreensão de mim mesma
(desejos dilacerando a massa encefálica)

Transtorno obsessivo-compulsivo
Ou simplesmente: vontade!
Para uns, ‘tesão’,
Para outros: falta de vergonha na cara.

Outro desejo, alguns e-mails
Banheiro em horário de aula
(oceanógrafos concentrados em suas tartarugas)

Penetrou-me a alma
Arrancou-me do mundo para um novo mundo

Um desconhecido
Um recado cravado numa porta

Uma vontade grafada para sempre em mim.



(Cristine H H)

Sem Título, Sem Legenda



Quando eu andava cega
Tu calçavas meu caminho
O tropeço me era afável.

Quando eu falava sério
Tu me remedavas, tu rias
E a surdez amplificava tua voz.

Quando me dava inteira
Tu arremessavas ao ratos essa carne
Eu delirava com o odor da putrefação.

Quanto eu te amava
Simplesmente te amava
Não desejava sê-lo mais nada.

Quando deixei de te amar
Passei a ver, ouvir, sentir odor de rosas
E continuei almejando ser teu amor.

Os espelhos nunca deixaram de refletir tua imagem.

(Cristine H H)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

QUANDO O MOMENTO SE PERDEU NO ESQUECIMENTO



Acorrentada por elos de titânio
Tenho presa a alma que não voa
Que queda inerte
(aceita imóvel).

A saudade, até,
(aquela bandida que anda vagando em nuvens)
Não mais me vem ver
Não vem atentar meu sossego mórbido.

Pedra!
(bruta sem lapidação)
Aguardando apenas
Pelo beijo da morte, ou, talvez, pela chave que me trará a tua memória.

(Cristine H H).

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Depregasmático



Era um momento de delírio e clímax
Mal se podia perceber a movimentação do lado de fora
Contraída em si
(gesto infinito de amor próprio)
Via se aproximar o êxtase
A magia universal
Os fluídos cósmicos...

Encolhida em si calculava:
Quão maravilhoso se as pessoas do lado de fora ali estivessem!

Não sabia descrever o momento em que o universo esvaziou
Nem como era o buraco negro no qual se perderam suas esperanças.

(Cristine HH)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

UNIVERSO

Universo



Miras o infinito e não o vês
Aguarda o tempo e este te deixa esperando
Não vem, não se importa.

Imaginas, então, o universos colorido
(como fotos de invisíveis telescópios voadores)
Mas não o podes perceber
- Ele é deveras grandioso para tua fraca mácula lútea.

Gritas, pois, pedindo respostas!
Deus não lhas dá, pois és mouro, diante de Sua Soberania
(ou Soberba?)

Calmamente fecha teus olhos
Concentra-te e vê, aguarda e tens
Põe-te introspectivo em ti mesmo:
Deus estará lá,
falando baixo,
pois os restinho do Universo não precisa saber.

(Cristine HH)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Cito-me

Cito-me

Cito, situada em mim mesma,
O canto de um preso pássaro
Com sua poesia, com seu encantamento
Pios, piados e piadeiras
Seus pontos, suas paradas.
Cito o canto do enraizado girassol
Ressoando ao vento, enquanto inclina-se
Enquanto procura o astro rei.
Cito e situo-me
Sinto dentro, forte, o íntimo
Âmago,
Entranhas.

E apresento no poema a citação textual de minha alma.

(Cristine H H)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

CHOQUE DE REALIDADE


Derreti em emoção
Frente minha bestialidade
À descoberta de um tesouro
Ou os ovos escondidos, nas felizes páscoas que não voltam mais
Chorei de raiva, até
Mas depois,
(devidamente amarrada e sedada)
Aceitei a triste realidade imposta
De que os poetas ou são velhos, ou estão mortos
(ou não são poetas).
- Até agora os enfermeiros lutam para que eu não corte os pulsos.

(Cristine H H)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

VELAS


Velas ao mar
E aos túmulos
Velas em tudo
Nos despachos de macumba
E nos motores dos automóveis.

- Luz de uma só chama!

As diversas coisas a mesma palavra
No fundo a unicidade
Calor que queremos dentro de nós.

-Vela acesa num peito frio.


(Cristene H_H)

sábado, 19 de março de 2011

ATAQUE PILÉTICO



Deslocamento vibratório do Eu
Movimento das placas

(magma fervente, minha cabeça quente)

Estrondosos, avassaladores tremores
O medo que me dá
Lobos que se chocam
Terremoto de mim mesma.



(Cristine H H)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Tsunami II



Duas pauladas, um só coelho
Deveria a onda ter varrido do mapa
O ditador líbio e seu evangelho.

(Cristine H H)

quarta-feira, 16 de março de 2011

FUKUSHIMA



Respira, e teu pulmão saltará aos meus olhos
As corredeiras de vida
E, enfim, teu coração!
Saltar-me-á esse puro coração
Pulsante, forte...

Saltitante pureza de íons
Refrescante e gélido ar
Poeira invisível, chave da dor, da morte, do eterno...

Respira! E vem em mim, para que eu veja seu último suspiro


(Cristine H H)

domingo, 13 de março de 2011

MAREMOTO


O mar que carrega os barcos
Transmuta,
Transmigra as almas
(metempsicose aquática).

Mar dos peixes
Mar das algas
Mar das desesperanças.

Tantas eram as aflições das tristes caiçaras
(lágrimas escorridas no olhar ao mar)
Que a terra chegou a tremer
                               [quando o mar cuspiu os corpos em terra.


(Cristine H H)

TSUNAMI


Fui à praia e vi o mar
O que mais haveria de ver?
Não fosse o mar teria medo

(Iemanjá andou com ressaca de saquê)

Não fosse o mar, o que viria?
Importa olhar adiante e não ver o fim
- Ou ver o fim!

Fim?

Passada a tormenta virá a calmaria.

(Cristine H H)

OS BICHOS


Uns bichos rodeiam à espreita
Pelo momento que sucumbirás
Sem pressa, sem ânsia
Sossego e calmaria

Tudo pela tua espera.

Rodeiam, vagam
Circulam

Pensa! Vê os bichanos
Ergue teu queixo, olha à frente
(ora, até!)

Passado passa em passos largos
Monstros rodeiam

Basta seguir em frente.

(Cristine H H)

OSSOS


Quanta carne há de comer
O verme da ambição humana?
E quantos ossos serão quebrados?

Tem, verme, esta alma!

Vem em mim que te devoro
Às colheradas engulo dessa larva
E livro meu destino dos teus dentes.

Vem! Essa alma te chuta; esse osso te quebra!

(Cristine H H)

quinta-feira, 3 de março de 2011

CERTIDÃO DE ÓBITO


Assentamento
No que antes certificado
Uma escritura, um apontamento

Documento ao portador

Nas entrelinhas lê-se:
Jaz nas folhas tais do livro tal.

Bendita transmigração poética!

Passas ao estado poético da vida
Enfim, és palavra escrita em linhas.

(Cristine H H)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O PULO

O Pulo

Da janela a vista de outro prédio
Outras janelas, outras vidas, outros problemas
Na mão de direção, o mar

Minha rua mergulha no mar!
Mas não vens comigo a este banho
E ainda há a distância de 17 andares
Que separam a mim, a ti e as águas no nosso afogamento.

(Cristine H H)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Palavras da Salvação



Procurava acolhimento
Fui à obra do Senhor
Atribuída ao Criador de tudo.

Ap, 17, e lá estava:
Anjos com cabeças e chifres
Uma mulher com vertido púrpura
Cheia de ouro
Embriagada pelo sangue do povo.

Atrás, Mc 13
A destruição dos templos
Os sofrimentos, as perseguições
Muitas as dores do parto
Os falsos Messias.

O mar e a terra tremerão
Haverá o bramido dos mares
Afirma categoricamente a excitante narrativa

E Lc 21:25 põe fim à minha aflição
Fecho o livro

Dizem que basta que abras tal livro aleatoriamente

Então, que destino terei?
Sinal de estar no caminho certo?
Os trilhos para o abismo?

(Cristine H H)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

NOJO


Nojo é o que dá asco
Que fere mortalmente o interior
O ego, o âmago
Que provoca tortura no estômago
Que regurgita...

Vem! Vem ao vaso do meu colo
E segurarei teus cabelos
Para que o vômito não te tire a beleza
Para que não esconda a palidez da tua pele
O roxo dos teus olhos
E a lágrima escorrida.

Teu nojo, pequena
É em mim uma esperança
É sentimento melhor do que a indiferença.

(Cristine H H)

PROJETO


Surtei ao te ver nesta beira
Fechei meus olhos e sorri
Cheguei a ouvir Javé implorando por teu corpo
Pela devolução do que te emprestaste
Cheguei a ver os pedaços teus lá em baixo
E senti na minha pele quão gelada a água
Quão forte a correnteza

Tomou em mim o trago aquático!

Pensei em te dar uma mão
No meio das costas
A força que necessitas

Mas Jeová intercedeu
E entregou nas minhas mãos o projeto da ponte que deves começar a construir.


(Cristine H H)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O CORVO

De Edgar Allan Poe (tradução de Fernando Pessoa)





Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, 
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais, 
E já quase adormecia, ouvi o que parecia 
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais 
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais. 
É só isso e nada mais.» 



Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro, 
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais. 
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada 
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais — 
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais, 
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo 
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais! 
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo, 
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais; 
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais. 
É só isso e nada mais». 



E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante, 
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais; 
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo, 
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais, 
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais. 
Noite, noite e nada mais. 



A treva enorme fitando, fiquei perdido receando, 
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais. 
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita, 
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais — 
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais. 
Isto só e nada mais. 



Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo, 
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. 
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela. 
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.» 
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais. 
«É o vento, e nada mais.» 



Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça, 
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais. 
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento, 
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais, 
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais. 
Foi, pousou, e nada mais. 



E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura 
Com o solene decoro de seus ares rituais. 
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado, 
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais! 
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.» 
Disse-me o corvo, «Nunca mais». 



Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro, 
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais. 
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido 
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais, 
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais, 
Com o nome «Nunca mais». 



Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto, 
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais. 
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento 
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais 
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais». 
Disse o corvo, «Nunca mais». 



A alma súbito movida por frase tão bem cabida, 
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais. 
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono 
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais, 
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais 
Era este «Nunca mais». 



Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura, 
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais; 
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira 
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais, 
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais, 
Com aquele «Nunca mais». 



Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo 
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais, 
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando 
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais, 
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais, 
Reclinar-se-á nunca mais! 



Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso 
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais. 
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te 
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais, 
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!» 
Disse o corvo, «Nunca mais». 



«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta! 
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais, 
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida 
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais, 
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!» 
Disse o corvo, «Nunca mais». 



«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte! 
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! 
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! 
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!» 
Disse o corvo, «Nunca mais». 



E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda 
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. 
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha, 
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais, 
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais, 
Libertar-se-á... nunca mais!