sábado, 26 de fevereiro de 2011

O PULO

O Pulo

Da janela a vista de outro prédio
Outras janelas, outras vidas, outros problemas
Na mão de direção, o mar

Minha rua mergulha no mar!
Mas não vens comigo a este banho
E ainda há a distância de 17 andares
Que separam a mim, a ti e as águas no nosso afogamento.

(Cristine H H)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Palavras da Salvação



Procurava acolhimento
Fui à obra do Senhor
Atribuída ao Criador de tudo.

Ap, 17, e lá estava:
Anjos com cabeças e chifres
Uma mulher com vertido púrpura
Cheia de ouro
Embriagada pelo sangue do povo.

Atrás, Mc 13
A destruição dos templos
Os sofrimentos, as perseguições
Muitas as dores do parto
Os falsos Messias.

O mar e a terra tremerão
Haverá o bramido dos mares
Afirma categoricamente a excitante narrativa

E Lc 21:25 põe fim à minha aflição
Fecho o livro

Dizem que basta que abras tal livro aleatoriamente

Então, que destino terei?
Sinal de estar no caminho certo?
Os trilhos para o abismo?

(Cristine H H)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

NOJO


Nojo é o que dá asco
Que fere mortalmente o interior
O ego, o âmago
Que provoca tortura no estômago
Que regurgita...

Vem! Vem ao vaso do meu colo
E segurarei teus cabelos
Para que o vômito não te tire a beleza
Para que não esconda a palidez da tua pele
O roxo dos teus olhos
E a lágrima escorrida.

Teu nojo, pequena
É em mim uma esperança
É sentimento melhor do que a indiferença.

(Cristine H H)

PROJETO


Surtei ao te ver nesta beira
Fechei meus olhos e sorri
Cheguei a ouvir Javé implorando por teu corpo
Pela devolução do que te emprestaste
Cheguei a ver os pedaços teus lá em baixo
E senti na minha pele quão gelada a água
Quão forte a correnteza

Tomou em mim o trago aquático!

Pensei em te dar uma mão
No meio das costas
A força que necessitas

Mas Jeová intercedeu
E entregou nas minhas mãos o projeto da ponte que deves começar a construir.


(Cristine H H)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O CORVO

De Edgar Allan Poe (tradução de Fernando Pessoa)





Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, 
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais, 
E já quase adormecia, ouvi o que parecia 
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais 
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais. 
É só isso e nada mais.» 



Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro, 
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais. 
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada 
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais — 
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais, 
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo 
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais! 
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo, 
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais; 
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais. 
É só isso e nada mais». 



E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante, 
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais; 
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo, 
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais, 
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais. 
Noite, noite e nada mais. 



A treva enorme fitando, fiquei perdido receando, 
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais. 
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita, 
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais — 
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais. 
Isto só e nada mais. 



Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo, 
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. 
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela. 
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.» 
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais. 
«É o vento, e nada mais.» 



Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça, 
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais. 
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento, 
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais, 
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais. 
Foi, pousou, e nada mais. 



E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura 
Com o solene decoro de seus ares rituais. 
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado, 
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais! 
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.» 
Disse-me o corvo, «Nunca mais». 



Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro, 
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais. 
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido 
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais, 
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais, 
Com o nome «Nunca mais». 



Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto, 
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais. 
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento 
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais 
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais». 
Disse o corvo, «Nunca mais». 



A alma súbito movida por frase tão bem cabida, 
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais. 
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono 
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais, 
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais 
Era este «Nunca mais». 



Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura, 
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais; 
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira 
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais, 
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais, 
Com aquele «Nunca mais». 



Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo 
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais, 
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando 
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais, 
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais, 
Reclinar-se-á nunca mais! 



Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso 
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais. 
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te 
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais, 
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!» 
Disse o corvo, «Nunca mais». 



«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta! 
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais, 
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida 
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais, 
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!» 
Disse o corvo, «Nunca mais». 



«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte! 
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! 
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! 
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!» 
Disse o corvo, «Nunca mais». 



E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda 
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. 
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha, 
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais, 
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais, 
Libertar-se-á... nunca mais!

GÊNIO


Bate-papo, internet, entra na sala Gênio_21cm. Num toque de loucura, ou de genialidade postei: Meu primeiro desejo: venha agora até o endereço tal, tal, tal. Surpresa ao tocar do interfone, 20 minutos depois. No lado de fora da porta um negro alto, forte; dentro uma menina, vestida apenas com meia 7/8, saia colegial e uma micro calcinha. Entrou e antes mesmo de fechar a porta eu já me encontrava ajoelhada e calada diante de tamanha magia. Porta fechada e era possuída ali mesmo, em pé, diante da porta de entrada. Ato contínuo, o segundo desejo, o de tomar todo o seu ser, que me escorreu intenso goela abaixo. O terceiro desejo, senhora? – Suma da minha casa!
Amargura que me invade. Eu, que solicita busco o amor, por que não teria escolhido: Um príncipe encantado, um cálice de vinho e um “foram felizes para sempre”? 


(Cristine H H)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ABUTRE


Dás aos abutres de comer
E após me procuras.
Perfuras-me
Inseres-me
Na selvageria zelosa
Que amamos.

Eu apodreço diariamente
Esperando pelos necrófagos voadores.

(Cristine H H)

LEI DIVINA


Em nome do Pai
Ao mal do filho
Assim havia intenção
Propensão ao crime
Ao assassínio

Abraão, pai de Isaac
Em nome do amor.

Moisés,
Em nome do amor
Promulgou a Lei de Talião.

Olho por olho
Dente por dente
Intestino por intestino.

O Código de Hamurabi
E a justa pena
Uma injúria: condenação à morte!
Uma cusparada: morte!

Morte, morte, morte!
Fígados esfacelados pelo hímen de uma suposta donzela...
Morte, morte, morte!

Em nome do Pai
Que é o amor.


(Cristine H H)

AMOR AO MAR

...



O amor banal
Tem o gosto do sal
Que se afoga.



...

ESCARRO MARINHO


Mar que afoga de um afogar mais doloroso
O sal e o iodo goela a dentro
Aumentam a sensação de morte
Salgada, quando o iodo deveria curar.
Milhares de milhas da costa barcos promovem morte
Sangria gelada nos navios pesqueiros
Marinheiros levam tatuado no braço
A âncora que gostariam ver enterrada em solo
Solo firme, fértil, macio, tenro.
Mas o mar separa
Tudo separa: povos, sonhos, tempo
As ondas reduzem aos poucos a sensação de vazio
Pelo balanço constante no estômago fraco
Pelos restos dos corpos que vomita na praia
Sal, iodo e uma tatuagem comida pelos peixes.

MURO


Nascida assim
Quem se importaria?
Quem olharia para o lado de lá do muro?
Não fosse para procurar encrenca...

Eternas homenagens aos que têm coragem
Que pulam muros
Que arrombam portas
E dormem em túmulos.

Nasci assim
E nem sei mais qual o muro de mim.

(Cristine H H)

A CIDADE EM QUE EU NASCI


É reconfortante viver no interior
Numa cidade pequena
Num cérebro vazio
Num coração apertado.

A cidade que nasci era pequena
E era mais tranquilo viver nela
Pois nela pouca gente viveu
Nela pouca gente nasceu
E pouca gente morreu.

Poucas almas vagueiam à noite
Apenas um coveiro
É preciso para enfeitar a cidade.

(Cristine H H)

ANJOS


Ditavam-me atrevidos
Para orar aos anjos
E que um dia eu mesma seria uma.
Mas eu não via os anjos
Apenas sentia
Enquanto lia
Adoráveis anjos augustianos
Que de augustos só tinham o nome
Pois eram rudes seres sem asas
As orações diárias do meu EU.

(Cristine H H)

POETA?


Poeta?
Há quem possa saber
Fazer rimas, usar palavras
Poeta quererá ser?

Eu, nas sombras, na noite
Escravizo as palavras e as engulo!
Palavras digeridas no ácido
Que queimam, que perfuram.

Ulcerosas letras!!!

E depois, sabes bem o fim das palavras
Sabes do cheiro e do bolo
Mas tu tens nojo, poeta?!?!

Afoga-te na métrica
Quebra a perna na terceira estrofe.

Eu sigo alimentada
Saciada com o que vem dentro do rótulo.

(Cristine H H)

TATUAGEM


Tão branca carapaça
Leitosa pele onde correm veias
Estrias lilases que inundam esse corpo ainda com vida.

Por isso vem!
Entra nesse meu corpo e morre afogado
Morre em mim
Asfixia-te neste sangue grosso e gélido.

Eu darei risada
Ainda admirada
Com a tatuagem que verei surgindo por debaixo dessa veste.

(Cristine H H)